top of page
  • Foto do escritorConversacomaciencia

A produção da presença, ou sobre o motivo de falar com os mortos

Sabe quando você lê um romance e, dotado de empatia, consegue sentir a mesma aflição que a personagem está sentindo? Ou quando você se emocionar no show da sua banda/artista preferida(o)? Melhor ainda, sabe aquele grito de gol entalado que você solta aos 40 do segundo tempo, e que te arrepia por completo?


Dificilmente conseguimos expressar o que sentimos nesses momentos. Sabemos que eles nos marcaram, mas temos imensa dificuldade de dizer como. Um professor e pesquisador da Universidade de Stanford, chamado Hans Gumbrecht, define esse clímax como o momento o qual nos relacionamos com a concretude da obra, da música, do espetáculo e, até mesmo, da partida de futebol (amém Martin Silva pegando pênalti na libertadores!). Mas o que seria essa concretude? Ele diz que neste exato momento estamos produzindo presença. Talvez você nunca tenha ouvido falar nisso, mas é bem simples. Podemos pensar que produzir presença diante desses eventos significa tornar o momento importante para nossa existência. Mas percebam, ser capaz de explicar o que sentiu não melhora a experiência e nem a torna mais intensa. Gumbrecht diz que “produzir presença” aponta para todos os tipos de eventos e processos nos quais se inicia ou se intensifica o impacto dos objetos presentes sobre corpos humanos.


Hoje não é difícil constatar que nossa sociedade passa por um momento de grande crise humanitária e intelectual. Basta pensarmos que temas que como nazismo, escravidão e racismo são constantemente debatidos, e ainda assim continuam totalmente polifônicos. Não que não tenhamos que conversar sobre esses temas. O curioso é a nossa constante tentativa de conceituarmos nazismo como esquerda ou direita, racismo como "mimimi" e relativizarmos o fato de que a escravidão deixou marcas profundas em nossa sociedade. Independente das paixões políticas que nos fazem discordar e dividem nossa sociedade, precisamos compreender sensivelmente o que foi cada um destes eventos.


Gumbrecht é um intelectual extremamente preocupado com a “presentificação” de mundos passados. Explico-me. Como um professor traduz em palavras o que foi o nazismo ou a escravidão? Sem duvidar de nossas capacidades intelectuais, há elementos importantes que nossa razão não é capaz de alcançar caso não seja auxiliada pela empatia, sobretudo porque esses temas evocam grande complexidade. Imagine. Qualquer indivíduo bem informado sabe que Holocausto custou a morte de 6 milhões de judeus e que o Brasil foi a nação que mais importou escravos. Mas quem de nós é capaz de falar sobre o que de fato o nazismo representou? Discutimos a natureza política e econômica do tema, mas não compreendemos sua natureza social e cultural. Para isso, Gumbrecht nos ensina que o melhor caminho é presentificar o passado. Presentificar o passado não é ser a favor de sua reprodução. Longe disso, é antes ter uma mínima capacidade de empatia que possibilite a experiência da agonia que um judeu, um homossexual ou um cigano sentiam na Alemanha Nazista. Ou que tipo de tristeza sentia uma pessoa negra ao ser retirada de sua tribo e família na África para ser escrava em outras partes do mundo.


Infelizmente, percebemos que nossa sociedade é mais interessada em falar sobre o tema e estar certa, do que em ler e conhecê-los de forma mais humana. Preferimos correr o risco de ferir a sensibilidade de alguém, do que compreender a sensibilidade do outro. Eu como Historiador, desejo que a História seja o meio pelo qual você “fale” com os mortos e “toque” os objetos de seus mundos. Que a leitura do “Diário de Anne Frank” nos gere a intensidade da aflição sentida por uma família de judeus. Que o filme “Selma – Uma Luta Pela Igualdade” nos permita conhecer a emoção e a dor de um momento crítico na busca pelos direitos civis dos negros nos EUA. Que a música “Sinhá” de Chico Buarque e João Bosco nos envergonhe pela injustiça, pela crueldade e por de alguma forma descendermos do senhor de engenho e nos solidarizarmos com o escravo.


Por fim, que o vídeo do quarto gol do Romário sobre o Palmeiras na Copa Mercosul de 2001 seja o meio do sentimento de superação que todos nós, como bons seres humanos, gostamos de sentir.


P.S: comentários dos Flamenguistas sobre o gol do Pet serão excluídos. Hehe


Olá! Meu nome é Mateus Gusmão, sou professor-historiador, namorado da Luiza, cristão, vascaíno convicto e vou estar todas as quintas feiras com vocês aqui na página.

Caso você queria falar comigo, meu email é: mateus.tene@gmail.com

Me siga nas redes: Instagram e Twitter - @mateusggusmao


Bibliografia

GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção da Presença: O que sentido não consegue transmitir. Tradução: Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto: Puc Rio, 2010.

34 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Kommentare


Join our mailing list

Never miss an update

bottom of page